quinta-feira, 3 de setembro de 2009

POÇO DAS BRUXAS (S. Pedro da Cova - perto de Couce)



Queixava-se a gente do lugar, que junto ao rio que ali passa, eram as noites sucessivamente alteradas pela procissão de espíritos malignos, causando pavor e medo sempre que as bruxas tomavam parte na marcha solene. As bruxas eram velhas imundas, de aspecto repelento, resmungando em voz rouca orações, pedindo a intervenção do Diabo, seu protector. Mãos abertas, braços estendidos e o corpo sob um manto escuro, imitindo sons plangentes semelhantes ao latir dum lobo ou guinchando como certas aves, eis o cenário tradicional.
Quando queriam enfeitiçar ou suplicar alguém, as bruxas pediam sempre autorização ao Demónio, repetindo por três vezes, as seguintes palavras:
- Tenato, Terrato, Rudato, passe por baixo!

A vítima previamente demarcada, acabava por sofrer, sem complacências, os castigos previstos. «- Com Deus na boca, tinham o Demo no coração» - dizia Santo Agostinho. Com o mal das palavras santas encobriam o veneno do encanto.
E certa noite programaram, elas, uma reunião para a mais chegada sexta­-feira, tendo como cenário uma encruzilhada de caminho, junto à margem do rio do Carvalhal, aproveitando para depois tomar banho. Dançando e cantando, fizeram as suas orgias ao ritmo diabólico de mil risadas, culminadas com uma lauta ceia, cuja ementa constou dum guisado de sapos, cobras, aranhas, confeccio­nado com sangue de ratos e cágado macho.

Quem as serviu foi o Diabo entre saltos de contentamento!
Depois deste conciliábulo, foi nomeado o nome duma pessoa do lugar, tendo o Demo distribuído pelas presentes, as «novas garras», constituídas por nove­los de pêlo de bode e dobados pela esposa ou mãe de Satanás. Entre risadas e gritos histéricos, concluiu-se o repasto já madrugada alta.
Mas uma dessas bruxas era casada e para que o marido não soubesse dessas tropelias nocturnas, costumava enfeitiçá-lo, dizendo quando o via adormecido:

«Eu te benzo
meu pirú;
com a fralda do meu cú.
Enquanto eu vou e venho
não acordes tu.»

Naquela noite, porém, o bom do homem simulou que apenas dormia.
Deixou-a sair de casa. Levantou-se e seguiu-lhe os passos. Viu-a reunir, ouviu-lhe a voz, percebeu a sua arte, avaliou o seu poder, mas não se amedron­tou com as ameaças do grupo; tomou, sim, as cautelas que o facto impunha. E quando ouviu que a vítima escolhida era um tal Carôlo, operário das minas de S. Pedro da Cova, vai de avisar de casa em casa, os moradores do Carvalhal, que assomavam às portas transtornados e contrafeitos.
- Despachem-se. Reúnam-se além.

Não se fizeram rogados os moradores. Em pouco tempo se juntaram todos. Até que em filas de três, muito assumadiças e dispostas a cumprir o trágico e diabólico intento, as bruxas caminhavam pelo estreito carreiro, em demanda do tal Carôlo. E tão exaltadas vinham que nem sequer pressentiram que algo estra­nho as envolvia naquele soturno cenário da beira-rio.

- Olá!... Tu por aqui? - disse a bruxa casada, quando viu o homem bem armado de enxada e cordel e ramos de alecrim ao peito. - E, quando recitava, matreira e sorridente:

«Eu te benzo, meu pirú
com a fralda do meu cú...»,

o povo, em alarido geral, contrapôs:

- Eu te benzo,
minha ladra,
com o rabo desta enxada...

Sem lhes dar tempo de precaver-se, recorrendo a Belzebu, o povo correu sobre o grupo com tal força e genica, desancou a torto e a direito, apagando com o som do seu ódio, as maldições das vítimas. Quando estas viram que não tinham outra razão, senão fugir, escolheram um quelho que ali havia, por ele metendo para nunca mais serem vistas. Mas com tão pouca sorte o fizeram que o quelho dava acesso a um fojo antigo, tendo todas nele caído, sem possibilidade de salvamento.
Na embocadura desse poço maldito, o povo sorria, satisfeito, por se ver livre dessas pragas malignas. E diz-se que, tempos depois, ao acercarem-se crian­ças do sítio, diziam os mais velhos para perpetuar o facto.
- Cuidado! Este é o poço das bruxas!

(Lenda recolhida e transcrita pelos Aladinos de uma publicação de Serafim Gesta, poeta da terra conhecido por Mazola.)

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