quinta-feira, 3 de setembro de 2009

FRAGAS DO DEMÓNIO (Couce)


Diz a lenda que desde que o mundo é mundo! - assim se fazia a idade da «Ponte do Diabo».
Contavam os povos antigos que mal se criaram os astros, os mares, os rios, serras, bosques e plantas, a homem e a mulher, quis o Demónio mostrar o seu poder e engenho, erguendo com enor­mes blocos de pedra, a ponte que ele mesma pôs o nome: «Ponte do Diabo».
Mas uma coisa é o orgulho de uma boa obra, outra é a malefício da vaidade excessiva!

Tomando-se de brios, a Diabo atormentava os povos, revol­via as torrentes contra as pequenas e frágeis embarcações, cometia diabruras sem conta, insensível aos que repetiam­ vade-rectro Satanaz! T'arrenego maldito mafarrico! Cruzes, canhoto! e outras esconjuras. Estava escrito que só um poder forte destruiria a capa com que se cobria e os chocalhos que usava para as suas diabruras, apoiado por bruxas, lobisómens, etc., conciliados com ele.

Passaram-se centenas, talvez milhares de anos, de perma­nente desassossego.
Até que por volta da século XIII, aparece o Diabo à fala com Gonçalo de Amarante, durante uma visita à ponte que este mandara construir nas imediações da Capela de Nossa Senhora da Assunção, erguida num rochedo suspensa sobre o rio Tâmega, a quem servia de acesso.
Gonçalo era uma figura popular. Protegia o povo, zelava par ele, sarava-lhe as feridas, abrigava-o sob o humilde tecto da sua choupana, inspirava simpatia e carinho. Não se dizia o mesmo do Demónio, o qual tinha sobre si ódios e rancores, muitas malquerenças. Quando pôde, disse por fim a Gonçalo:

- Pois, sim. A ponte é bonita, é fora da vulgar, mas... grande, segura, diferente, é a que ergui em S. Pedro da Cova, nos contrafortes da serra. Faço questão que a vejas!
- Está bem! - respondeu Gonçalo de Amarante. – Irei vê-la brevemente.
- Mas não leves contigo essa coisa do Breviário! Não quero rezas!... - pediu-lhe o Demo.

Gonçalo tinha uma mística exemplar: caracterizava o seu apostolado, protegendo a gente mais carecida de meios. Nas­cera, então, no lugar da Arriconha, freguesia de Tagilde, per­tencendo a uma nobre família dos Pereiras, de Guimarães, mas optou pela vida eclesiástica. E foi o mês de Maio o esco­lhido para visitar a ponte, fazendo-se acompanhar de muito povo desafecto ao Belsebu.

Couce neste mês apresenta-se matizado de várias cores, porque lhe crescem as Maias, a queiró, as urzes, os cravos e as aves repartem entre si o primado musical com que minimizam as asperezas da paisagem. Foi com este painel desenhado que Gonçalo chegou, apoiando-se no bordão, fincan­do-o nas pedras da calçada romana.
- Sim! - disse ao Diabo. - A arcada é grande, mas encontro-Ihe alguns defeitos.
- Quais ? _ quis saber o Demónio.
- As pedras estão mal colocadas.

Gonçalo aproximou-se um pouco mais e levando o bordão ao ar, foi repetindo: - Aquela pedra além, devia estar aqui; a outra, devia ficar deste lado... - À medida que ia notando as falhas, Gonçalo desenhava nos sentidos vertical e horizontal o gesto tradicional da bênção Pontifical: - Esta pedra, devia ficar assim... - Nesta altura ouve-se um estrondo formidável, a rocha desaba, fragmenta-se e a ponte cai estrondosamente sobre o rio.
- Socorro! Socorro! - grita o Demónio - Eu bem te pedi para a não benzeres.
- Ninguém te acudirá. - Diz-lhe Gonçalo.

De facto, outro poder vencia o do Demónio e acabou assim a lenda de que «Deus punha e o Diabo dispunha», pouco va­lendo o pranto das bruxas e outras almas afectas; e, por serem tantos os remorsos das suas patifarias, caiu fulminado de morte, jazendo junto dos destroços de pedra, sob uma, com a forma de caixão, no próprio leito do rio. E é tal a crença neste facto, que ainda hoje se diz quando se passa no local: - Olhai! Aquilo é o Caixão do Diabo!

As bruxas e os lobisomens choraram-no durante algum tempo e, para se vingarem, apareciam de noite aos moradores de Couce, mas nada conseguiram, porque está escrito que só gente estúpida e ignorante lhes dá ouvidos ou acredita no seu poder. Sobre este caso também se diz que, alguém cantou estas quadras:

Conta a lenda, diz o povo,
que Gonçalo à ponte trouxe,
a paz que não existia
naquele sítio de Couce.

E como também se disse,
que o Diabo é tendeiro,
deu-se este nome a um moinho,
que ali já teve um moleiro.

(Lenda recolhida e transcrita pelos Aladinos de uma publicação de Serafim Gesta, poeta da terra conhecido por Mazola.)

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