sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Regulamento interno da quadrilha do Zé do Telhado


VIVEU, AMOU, ASSALTOU, SENTIU, AJUDOU E SOFREU.
Poucos dias depois de um assalto Zé do Telhado mandou comparecer todos os homens, à noite, no casebre que fora quartel-general do Boca Negra (antigo chefe da quadrinha que Zé do Telhado foi substituir por sua ordem, devido a este estar gravemente ferido após tentativa de assalto) , e começou por dizer-lhes:
-De hoje em diante acabou-se a revalbaria! Temos de levar a vida a sério se queremos vencer. E quem não estiver satisfeito pode sair já, a porta está aberta! De hoje em diante, a malta aqui reunida não será um bando de ladrões. Governamo-nos, mas é só tirar aos que têm mais, para dar aos que têm menos.
Proíbo ouvi bem: proíbo! que alguma vez se tire aos pobres e a todos aqueles que vivem honradamente do seu trabalho. Nesta nossa comunidade, também não consinto que se matem pessoas; e só usaremos a força quando resistirem e nos obrigarem a isso. Também não admito que ninguém se aproveite da ocasião para abusar das mulheres.
Fez uma pequena pausa, olhando os circunstantes. Estava no meio da casa, de mãos atrás das costas, encostado levemente á mesa, onde a pálida luz da vela emprestava um certo ambiente místico de cabala.
Ninguém ousou contestar as palavras daquele que acabava de se consagrar como mestre indiscutível e indiscutido
O José do Telhado prosseguiu:
-De hoje em diante, eu só estou aqui como Repartidor publico. Tudo o que tirarmos aos outros não será só para nós. Uma parte é para os pobres. Ali no Douro há muita gente rica, mas também se vê por lá muito pobre. Tenho visto por aí muitos velhos, sem terras, nem nada, e mulheres com bandos de filhos. A nossa comunidade tem ajudar os que são esquecidos por todos. Também não podemos esquecer-nos do senhor Custódio, e vamos ajudá-lo a curar-se do mal que tem. ele precisa de dinheiro.
Ia-se fazendo ouvir um certo murmúrio. O José do Telhado suspendeu a fala, com ar interrogador:
-Que dizies?
-É que não fica muito para nós - afoitou-se a adiantar o Veterano. -Quando tempo vamos fica a pagar para Custódio? Ele pode não arrebitar, e levar tempo a esticar. E agora há também o mestre...
-Ao senhor Custódio paga-se enquanto ele precisar - interrompeu o José do Telhado. -E eu para mim só quero tanto como cada umde vós. Não quero mais nada.
-É de homem! É de homem -exclamaram algumas vozes em coro.
-Ah! Se é assim...Tá bem! -concluiu o Veterano, tirando o chapéu da cabeça em sinal de respeitosa concordância.
-Estou aqui às tuas ordens, mestre! Ninguém cumpr mais que eu... -intreveio o Avarento. -Mas acho que cada um trata de si...
Não tenho nada a ver com os pobres!
Houve alguns murmúrios, uns concordantes outros não.
-O mestre é que sabe! -replicou o Sancho Pacato.
-Mas eu cumpro!... Mas eu cumpro!... - apressou-se a confirmar o Avarento.
Depois, durante um minuto, nenhum dos circundantes tomou a palavra. Então o José do Telhado prosseguiu:
-Os ricos e os políticos é que hão-de pagar para os pobres... Os políticos têm sido a desgraça dos pobres. Prometem tudo, mas só protegem os que eles muito bem querem. Aos pobres passam a vida a mentir-lhes. De hoje em diante eu serei repartidor público. Podeis dizê-lo a toda a gente. O povo há-de sabê-lo. E também quero que as autoridades o saibam. Porque este encargo foi-me dado pelo povo.
Zé do Telhado e sua Quadrinha (Joaquim do Telhado(irmão), José Pequeno, os dois filhos do morgado de Canavesinhos(António e José), Sarrazola, Avarento, João de Morais, Glórias, Peneireiro e os Pedreiros e ainda donos de estalagens criados e criadas de servir, e outros) passaram desta conversa aos actos.
Zé do Telhado cumpriu sempre aquilo que disse.
Quantos cumprem também com aquilo que dizem?!

2 comentários:

Maria José disse...

faltam Homens deste calibre na actual conjuntura...se falta!

Tóne Quim disse...

Aqui em Couce semos todos deste calibre e alinhamos todos por este diapasão. Isto porque desde pequenos comemos sopas de cavalo cansado, vulgo sopas de vinho e pãozinho de manteiga embebido em bagaço.