sábado, 29 de agosto de 2009

o povoado dos moinhos


Forasteiro – Qual o nome deste povoado? Aldeão – Não tem. Só chamamos “O Povoado”. Alguns chamam o Povoado do Moinho. Forasteiro – Todos os habitantes moram aqui? Aldeão – Não. Moram em outros lugares. Forasteiro – Não há eletricidade aqui? Aldeão – Não precisamos. As pessoas acostumam-se ao conforto. Acham que o conforto é melhor. Rejeitam o que é realmente bom. Forasteiro – Mas, e as luzes? Aldeão – Temos velas e óleo de linhaça. Forasteiro – Mas a noite é tão escura. Aldeão – É. Assim é a noite. Por que a noite deveria ser clara como o dia? Eu não ia querer noites claras, que não deixassem ver estrelas. Forasteiro – O senhor tem arrozais. Mas não tem tratores para cultivá-los? Aldeão – Não precisamos. Temos vacas, temos cavalos. Forasteiro – O que usa como combustível? Aldeão – Lenha, na maioria das vezes. Não achamos direito cortar árvores, e muitos galhos caem sozinhos. Cortamos e usamos como lenha. E para carvão de madeira, poucas árvores aquecem tanto quanto uma floresta. Também estrume de vaca dá bom combustível. Gostamos de viver respeitando a natureza. As pessoas, hoje, esqueceram que são apenas parte da natureza. Mas destroem a natureza da qual dependem nossas vidas. Elas sempre acham que podem fazer melhor. Especialmente os cientistas. Podem ser inteligentes, mas não compreendem o verdadeiro significado da natureza. Só inventam coisas que tornam as pessoas infelizes. Mas têm tanto orgulho das invenções deles. Pior é que muita gente também se orgulha. Encaram-nas como milagres. Idolatram-nas. Não percebem, mas estão perdendo a natureza. E, como consequência, vão morrer. As coisas mais importantes para o ser humano são ar puro e água limpa, as árvores e grama que os produzem. Tudo está sendo poluído, e perdido para sempre. Ar sujo, água suja, sujando os corações dos homens. Forasteiro – Vindo para cá, vi algumas crianças colocando flores em uma pedra ao lado da ponte. Por quê?Aldeão – Ah, isso. Meu pai me contou uma vez. Há muito tempo, acharam um viajante morto, perto da ponte. Os aldeões ficaram com pena e o enterraram lá. Colocaram uma pedra na tumba dele e puseram flores. Tornou-se um costume colocar flores lá. Não só as crianças. Todos os aldeões colocam flores quando passam, embora a maioria não saiba por quê. Forasteiro – Há um festival hoje? (ouvindo uma festividade aproximando-se). Aldeão – Não, é um funeral. Acha estranho? Um funeral é sempre agradável. Viver bem, trabalhar bem e morrer com agradecimentos é louvável. Não temos templos nem sacerdotes aqui. Assim, os próprios aldeões levam os mortos até o cemitério da colina. Mas não gostamos quando jovens e crianças morrem. É difícil comemorar tal perda. Mas, felizmente, as pessoas deste povoado levam uma vida natural. Então, morrem de acordo com a idade. A anciã que vai ser enterrada viveu gloriosamente os 99 anos. Agora, vou unir-me ao cortejo. Com licença. Na verdade, ela foi o meu primeiro amor. Mas ela partiu meu coração e me trocou por outro.- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Forasteiro – A propósito, quantos anos tem? Aldeão – Eu? Cem... mais três. Boa idade para parar de viver. Uns dizem que a vida é sofrimento. Isso é tolice. Sinceramente, é bom estar vivo. É emocionante. (O ancião dirige-se à estrada, seguido pelo forasteiro, para juntar-se ao cortejo festivo. Cumprimenta cordialmente o viajante e une-se aos outros aldeões em festa. O forasteiro assiste admirado o cortejo passar e, antes de retirar-se da aldeia, deposita flores na pedra do túmulo do forasteiro morto. A paisagem é indescritivelmente bela... E os moinhos, girando no ritmo da correnteza do rio, expressam o ritmo da vida). A Natureza é Deus.
Diálogo reproduzido do último conto do filme "SONHOS" de AKIRA KUROSAWA (Akira Kurosawa’s Dreams), denominado O POVOADO DOS MOINHOS ( Village of the Watermills).

1 comentário:

Seabra disse...

Vai mas é ver "A BATALHA DA PONTE FERREIRA" em Campo, junto ao restaurante Pichel, logo ou amanhã à noite; a peça começa às 21.45, mas convém estar lá pelas 21.00 para arranjar bilhetes (são 5 euros, se disseres que és amigo do Jaime pode ser que te façam desconto) e deixa lá o Kurosawa, Deus não existe ou então é um grande sádico filho da puta que se anda a divertir às nossas custas.